Guerra Civil

Logo no início de Guerra Civil, Lee, personagem de Kirsten Dunst, revela ter passado a vida fotografando guerras mundo à fora, para que aprendessem algo com seus registros e tal coisa nunca acontecesse "em casa". Mas a humanidade não tem memória, e por isso custa a aprender, e em um futuro distante a outrora "maior nação do mundo", se vê em uma guerra civil como as que costumava financiar em outros países. 

É provavelmente isso, que mais chama atenção, especialmente entre os estadunidenses, no novo filme de Alex Garland. A percepção súbita de que democracia e paz não podem ser consideradas garantidas. Para os brasileiros é o reforço de uma lembrança recente, e o aviso que pode acontecer novamente. Especialmente no contexto politico atual. Mas o longa, na verdade, não é sobre facções e conflito, mas sobre as pessoas pegas no meio dele.

Acompanhamos a fotógrafa Lee (Dunst) e o repórter Joel (Wagner Moura) que saem de Nova York para Washington na tentativa de conseguir uma última entrevista com o Presidente (Nick Offerman). Uma vez que tudo indica que ele está prestes a cair. Se unem à dupla, o veterano (Stephen McKinley Henderson) e a novata Jess (Cailee Spaeny), e assim temos um grupo que se completa, ao oferecer dinâmica em suas relações e visões diferentes da jornada. 

Experientes Lee e Joel, parecem estar em estágios distintos, ou anda reações paralelas à uma carreira tão brutal. Ele viciado em adrenalina, ao ponto de parecer minimizar as consequências. Ela, tão saturada pelo que viu, que se encontra anestesiada e desinteressada pelo que faz de melhor. Em contraponto direto, e exaustivamente trabalhado pelo roteiro, Jess é o extremo oposto, e também a mesma pessoa que Lee. É a jovem empolgada e ingênua que a personagem de Dunst fora um dia, e talvez se torne a veterana cansada de guerra.

Transitando do extremo inicio ao fim, Sammy é o final de carreira. Alguém que já passou por todos os estágios e aceitou a realidade do mundo. Com plena consciência que mudanças são lentas, e eventos são cíclicos, oferece uma certa serenidade e até doçura no seu papel de "mentor não oficial". 

São arquétipos simples, e até bastante conhecidos, mas que ganham riqueza ao serem colocados para interagir uns com os outros. E mais ainda com o ambiente, visto que as reações de cada um são extremamente diferentes às situações oferecidas pela jornada. 

Ao longo do caminho, eles vão encontrar todo tipo de conflito e gente. Pessoas que não sabem por que estão lutando, que aproveitam o caos para fazerem o que querem, enlouquecidas por ideologias, outras que seguem como se nada houvessem, e aquelas que tentam fazer o melhor enquanto tentam sobreviver. Situações que alternam momentos de calmaria e conflito, sempre escalonando a tensão, até chegar ao auge do embate completo em plena casa branca. 

Entre essas contendas, a que mais se destaca, é a que conta com a participação de Jesse Plemons. Tanto pela qualidade do trabalho de atuação, direção e roteiro, mas principalmente pela percepção de que pessoas como ele estão por aí. 

E por falar na atuação de Plemons, ele não é o único que se destaca. Sua esposa da vida real Kirsten Dunst, está em excelente momento em sua carreira, e entrega com perfeição o desgaste e desesperança de Lee, sem deixar transpassar a profissional idealista perdida por baixo de toda a bagagem ruim. Wagner Moura traz a energia oposta, com um personagem viciado em adrenalina, ansioso pelo próximo embate, mas que em algum momento vai alcançar seu limite. 

Cailee Spaeny tem a cara de criança necessária, para acreditarmos na ingenuidade da moça, que tem sonhos, mas não faz ideia do peso que a busca por eles trará. As reações iniciais dela, são provavelmente as mais parecidas com as nossas, e gradualmente começa a ser minimizadas pela frequência. Sempre eficiente Stephen McKinley Henderson é assertivo ao ser o ponto de equilíbrio daquele carro, não por não ter traumas ou bagagem, mas por compreendê-los melhor. 

A direção de Alex Garland é precisa na sensibilidade de retratar os horrores da guerra. Mostrando a quantidade correta de "carnificina". Um pouco à mais beiraria o sadismo. Um pouco a menos, não teria o peso necessário para trazer a urgência e gravidade da história.  A quantidade é precisa para a mensagem que o filme pretende passar. 

O diretor também faz excelente uso do som para enervar e atordoar. Bem como do silêncio para pontuar consequências e momentos sufocantes. Além de construir cenas de ação enervantes, dinâmicas e coerentes ao construir o completo caos. Outro recurso bem utilizado é a inserção das fotos tiradas por Lee e Jess, tanto para pontuar as situações e grava-las na mente do expectador. Quanto para reforçar o caminho entre a novata e a veterana. 

Repare, as fotos de Jess são tiradas com uma câmera antiga, em preto e branco. Uma visão anterior e até mais romantizada da fotografia e da profissão. Já Lee tira as fotos com câmeras modernas, em cores, com toda a vivacidade da violência saltando da tela. 

E já que estamos falando do espelhamento das duas. Não pude deixar de perceber outro paralelo entre o primeiro e ultimo conflito que o grupo encara. Enquanto no tiroteio inicial, Joel precisa segurar e guiar a novata para que ela não morra por sua falta de experiência. O conflito final traz o repórter guiando a veterana, paralisada pelo excesso dela.  

Mas eu ainda não entendi o conflito... 

E não é para entender mesmo. Apesar do título, o conflito é, na verdade, apenas o pano de fundo. Uma guerra para oferecer os desafios para os personagens. Motivos, lados, nada disso importa. Tão pouco o filme está preocupado em explicar. Mas, para quem precisa de mais e ficou perdido, segue o pouco que o roteiro oferece. 

O presidente estadunidense está em seu terceiro mandato seguido, que assim como aqui no Brasil, lá é proibido. Ele também teria comandado alguns atos contra cidadãos. Do outro lado, Texas e Califórnia se uniram contra os demais estados, e o presidente. Quem ou como as atrocidades iniciaram não revelado, mas sabemos que á focos de guerra e embates por todo o país. 

De volta ao que o filme realmente se propõe... 

Guerra Civil é exatamente o que a personagem de Dunst menciona no início do filme. Um registro da realidade da guerra, apresentado como entretenimento, para alcançar mais gente, e quem sabe tentar evitá-la. Assim como Lee não era de todo desgosto e desesperança, esse filme ainda tem um fio de otimismo escondido. É a história certa, contada da melhor forma, no momento exato. Conversando assustadoramente bem com nossa realidade. 

Guerra Civil (Civil War)
2024 - EUA - 109min
Guerra, Suspense, Ação, Drama

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