O Problema dos 8 episódios...

 ... lançados de uma vez só, na insistente e insustentável estratégia da Netflix!

 A adaptação em série da ficção científica literária O Problema dos 3 Corpos estreou ontem na plataforma de streaming, com todos os seus oito episódios disponíveis. E ao longo do dia, logo surgiram análises de colegas que já haviam assistido a temporada completa, "numa sentada só". 

Longe de criticar outros críticos e criadores de conteúdo, esse é o trabalho deles, e estão dançando conforme a música do imediatismo da cultura pop. Mas não pude evitar pensar o quanto todos podemos estar perdendo com isso.

Tendo lido o primeiro livro da trilogia de  Cixin Liu, e ciente de sua complexidade, o primeiro pensamento foi: como esse pessoal já conseguiu assimilar e analisar todos os por menores da história? - É claro, talvez a Netflix tenha simplificado e tornado didática muita coisa (a essa altura assistir apenas dois episódios da série), mas ainda acho que a produção, e várias outras, mereciam um consumo mais moderado. E por várias razões!

À começar pelo bem da sanidade dos criadores de conteúdo, e fãs que se sentem obrigados a consumir tudo de uma vez. Apenas para fugir de spoilers, e pelo medo do FOMO ("Fear of Missing Out" - o medo de ficar de fora do tema do momento). É impossível acompanhar tudo, na velocidade em que as coisas são lançadas. E um spoiler ou outro não são necessariamente o fim do mundo. O difícil é se manter ciente disso, quando a maré nos empurra para o lado oposto. 

Outra razão é meramente comercial. A Netflix solta tudo de uma vez, para causar uma explosão de burburinho, e fazer a série valer o orçamento logo no primeiro fim de semana. Mas uma produção como essa, cheia de mistérios e possibilidades tem potencial para se tornar discussão semanal, com teorias de conspiração, reflexões, análises, achismos, e por isso muito mais duradoura, se adotado a forma de lançamento tradicional. Coisa que era chave do sucesso de Game of Thrones por exemplo. Que vale lembrar tem os mesmos produtores dessa série aqui. 

A transmissão semanal também dá tempo àqueles que não estavam envolvidos na primeira semana, de correr atrás, e começar à acompanhar ao longo da exibição. Ou seja, tem mais chances de angariar mais público. Mesmo assim, o serviço de streaming parece não entender o mercado e insiste no formato insustentável, que acaba por enterrar muitas produções. Não fez sucesso no lançamento? Não ganha temporada dois! Coisa que o público já entendeu, e muita gente reluta em começar uma série nova por causa disso. Percebeu o circulo vicioso?

O terceiro e último motivo, a meu ver, é o mais preocupante de todos. O consumo acelerado, que impede o tempo de reflexão e respiro. Compreender o contexto, as metáforas, as comparações em críticas de cada produção. O que empobrece a experiência como um todo. Um exemplo prático disso, são os vídeos de analise no YouTube. Para séries semanais, um para cada episódio. Aquelas em maratona, só costumam receber um grande compilado.

Outra consequência é a de tornar a produção esquecível. Tente lembrar detalhes de séries que assistiu à toque de caixa. Muito mais difícil, que lembrar de um episódio de House ou Lost sobre o qual discutiu e refletiu ao longo da semana. 

Ou seja, o consumo compulsivo de séries as torna menos do que poderiam ser. Menos marcantes, menos ricas, menos relevantes. E até menos divertidas, já por vezes viram obrigação, "para não ficarmos de fora". 

Image by Drazen Zigic on Freepik

Curioso é notar que uma série que já provou conseguir burburinho longevo, mesmo lançada de uma vez só. Tanto porquê já tem uma legião de fãs que não evitam reprises, quanto porque é mais fácil de assimilar ganhou uma exibição mais moderada. A terceira temporada de Bridgerton vai ser dividida em duas partes. Estratégia de marketing estranha que a Netflix adota faz um tempo. 

Não me leve à mal, adoro a série romântica. Mas essa é sim uma série que mais perde que ganha, no formato maratona. Uma vez que manipula muito bem a ansiedade do espectador, e já tem público cativo. E garanto muita gente, vai esperar a parte dois sair para assistir tudo de uma vez. Impossível não observar que a as estratégias da plataforma vermelhinha, parecem andar na contramão da lógica. 

Agora você deve estar se perguntado, onde eu quero chegar com essa reflexão? Não muito longe. Não tenho ilusões de que meu simples texto, em meu pequeno blog, altere o mercado de séries de TV. Mas, se fizer alguns leitores (e inclusive a mim) lembrarem mais vezes, que podem assistir as coisas em seu próprio ritmo, já considero uma vitória. 

Então reforçando, você não é obrigado a assistir tudo, muito menos em maratona imediata. Assista as coisas no seu tempo, quando tiver vontade, e da forma em que vai aproveitar melhor. Eu prometo que não vou demorar muito à falar de O Problema dos 3 Corpos. Não vou assistir correndo, mas são só oito episódios afinal!

 

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Crítica do livro O Problema dos 3 Corpos

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