Os Fabelmans

Amantes da sétima arte adoram quando o cinema fala sobre si mesmo. Desde a tecnicidade do fazer cinematográfico, até as muitas formas com que essa arte influencia a vida daqueles que a criam e consomem. Os Fabelmans une com eficiência essas duas vertentes que encantam os amantes da sétima arte em uma em uma autobiografia complexa e desprovida de ego e medo de julgamentos.

O drama acompanha a vida da família Fabelmans através dos olhos de seu filho mais velho Sammy Fabelman (Mateo Zoryan e Gabriel LaBelle), ao mesmo tempo que o garoto seu amor pelo cinema. Encontrando nos filmes o caminho para compreender o mundo, amadurecer e se expressar. 

Steven Spielberg reconta sua vida com o privilégio da percepção da experiência, compreendendo agora, o que na juventude era apenas um turbilhão de emoções e descoberta. O cineasta parece completamente ciente tanto de quem é, quando de como suas experiências da juventude, influenciaram para se tornar o homem que é hoje. E principalmente o papel de seus pais nesse processo de crescimento.

E por falar em seus progenitores, o longa soa tanto como uma carta de amor, quanto como um pedido de desculpas à eles, por não entender na juventude algo que ninguém aprende cedo. Seus pais Burt e Mitz, são humanos, com falhas, medos e anseios, e tem uma existencial totalmente separada da sua. Reconhecer as limitações e frustrações, deles, bem como o direito do casal de ter esses sentimentos, é algo que Sammy ainda não alcançou ao fim do filme, mas que Spilberg deixa claro que compreende muito bem. 

Compreende também, as influencias dos pais em sua formação. O lado artístico e o espírito inquieto da mãe, em contraponto com o intelecto direto e rígido do pai. Como quando o casal tenta ilustrar para o Sammy de seis anos como é a experiência do cinema. Ela preocupada com o que o garoto vai sentir, ele tenta explicar como um projetor funciona. É claro, nada é tão raso e simples assim, é aí que entra o elenco certeiro que Spilberg escalou para compor a família. 

Apesar do intelecto intimidador e da postura centrada e rígida, o Burt construído por Paul Danno, é também extremamente gentil, compreensivo e terno. Enquanto Michelle Williams se destaca como um espírito livre, frustrado pela vida limitante de uma dona de casa dos anos 1960. E dividida entre dois tipos de amor tão distintos quanto verdadeiros. Seth Rogen e Judd Hirsch completam o elenco adulto principal com interpretações certeiras, para a dinâmica da família. 

Entre os dois intérpretes do protagonista, Mateo Zoryan representa a descoberta e o encantamento pelo cinema, com seus enormes olhos azuis cintilando para as telas. Gabriel LaBelle fica à cargo do amadurecimento, e da expressão através da arte, com todos os dilemas e confusões da adolescência inclusos. Enquanto o garoto avança em sua jornada cinematográfica, o público mais aficionado descobre referências e alusões à carreira de Spilberg. É o diretor mostrando o que o influenciou, recriando sua própria carreira, nas influencias que colocou na tela. Parece confuso? Assista o filme, juro que faz sentido!

Apenas dois pontos enfraquecem o filme. O primeiro é a introdução tardia, e por isso, pouco explorada do preconceito aos judeus na última hora de filme. Tratando um crime de ódio como mero bullying, e mais um desafio da adolescência. Bom, talvez tenha sido assim que o diretor o encarou na vida real. Mas em se tratando do cineasta por trás de A Lista de Schindler, acho que deve ter tido um peso maior.

O segundo ponto fraco, é mais complicado: o público alvo. O longa conversa facilmente com amantes do fazer cinematográfico, mas talvez não seja tão vendável para o público geral. Aquele que consome cinema como mero entretenimento do fim de semana. Para eles, pode ser que o filme soe como uma obra sem objetivo claro. Não é sobre superação, não há jornada do herói, ou um grande vilão a ser derrotado. É um filme sobre a construção de um ser humano através de suas paixões, descobertas e frustrações. Para citar o próprio Spilberg, oferecendo um exemplo mais simples, algo similar ao que acontecera com o público de Jogador Nº1. Enquanto aficionados por cultura pop vibraram com as referências e alusões. O público geral, sem essa bagagem específica, não se conectou tanto, vendo apenas mais uma boa aventura.

Particularmente, torço para que esta percepção minha esteja equivocada. Uma vez que qualquer um pode se identificar com a vida desta família. Uma vida que tem seus dilemas e momentos tristes, mas que também tem bons momentos. Realismo altamente relacionável, que Spilberg constrói com momentos de humor e leveza, para nunca cair na melancolia e depressão. Afinal quem gostaria de rever sua vida por uma lente tão triste?

Sim, Os Fabelmans é uma declaração de amor ao cinema. E fala muito sobre essa arte. Mas também é sobre família, crescimento e formação. O que faz você ser você? Suas experiências, relacionamentos e paixões! Simples assim.

Os Fabelmans (The Fabelmans)
2022 - EUA - 151min
Drama

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