Comparação com os livros, com os filmes de Peter Jackson, um universo vasto e complexo, e limitações consideráveis em se tratando de direitos autorais.... a tarefa de trazer O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder às telas, é complicada. Independente da quantidade de dinheiro que a Amazon pode despejar na produção exclusiva para seu serviço de streaming, o Prime Video.
Como o título aponta, a série tem a intenção de mostrar a confecção dos anéis de poder do título, os três dos elfos, sete dos anões, nove dos humanos e o Um Anel. Para isso a produção escolheu acompanhar diferentes personagens da Terra Média, enquanto estes descobrem um mal crescente na região.
Galadriel (Morfydd Clark) única que tinha certeza da existência do mal, encara uma viagem para reafirmar sua crença, convencer mais pessoas e acumular aliados. Entre os Elfos que primeiro negam a sobrevivência do mal, Elrond (Robert Aramayo) precisa conseguir um recurso valioso com seu amigo anão Prince Durin IV (Owain Arthur). O inesperado núcleo dos pés-peludos, os ancestrais dos hobbits, recebem um misterioso estranho em sua comunidade. Já o povo das terras do sul, e o elfo Arondir (Ismael Cruz Cordova) são os primeiros e enfrentar esse mal diretamente.
São vários núcleos narrativos, que eventualmente se encontrarão e separarão conforme a história avança. Nada inesperado para uma história com tal magnitude. O problema está na forma como estes núcleos se são trabalhados isoladamente. Não há um equilíbrio entre o desenvolvimento das histórias, criando certa discrepância na passagem de tempo, e principalmente no interesse do público por este ou aquele núcleo. Ao longo dos oito episódios, a urgência e desenvolvimento das histórias varia, fazendo com que nosso apetite por um grupo seja maior que para os demais. E como o tempo é dividido, esse apetite por vezes não é completamente atendido.
Outro empasse que pode afastar alguns é o ritmo mais compassado, especialmente nos episódios introdutórios. Quem conhece a obra de J.R.R. Tolkien provavelmente já estava esperando um ritmo particular para a adaptação. Mas até, estes devem ter ficado surpresos com a lentidão e repetição que a narrativa escolheu em muitos momentos. Como com a inflexibilidade e obsessão de Galadriel, e a jornada de Isildur.
Diálogos engessados, e decisões duvidosas completam o pacote de falhas a serem corrigidas em temporadas futuras. Afinal é compreensível, que os roteiristas sejam tentados a trazer para as falas certa pompa que acreditam que universo tão vasto mereça, mas o resultado ficou artificial e raso. Já escolhas como, abandonar um forte para se defender, levar a rainha para o fronte de batalha ou ainda usar um suposto artefato mágico de forma mecânica, para uma tarefa que podia ser executada sem ele, são difíceis de explicar.
Ao contrário do que se possa pensar pelos parágrafos acima, eu gostei bastante da entrega de Os Anéis de Poder, especialmente pela entrega no episódio final. É verdade, acredito que se a série tivesse um ritmo mais uniforme, este desfecho poderia ser melhor trabalhado, utilizando mais que um episódio, mas funciona, e recompensa quem esperou uma temporada inteira por isso. Especialmente ao trazer certa lógica para a rigidez de Galadriel que mencionei acima. Ela estava sendo influenciada, por isso a obsessão cega.
E já que comecei a falar de personagens, a Galadriel de Morfydd Clark apesar de rígida demais (ou talvez por isso) é forte e cheia de nuances em relações as suas reais motivações. A amizade entre Elrond e Durin, é um paralelo interessante para quem gosta da dupla Legolas e Glimi. Enquanto os eventos em torno dela, apontam tanto a nobreza, fidelidade, e certa ingenuidade do elfo. Em Celebrimbor (Charles Edwards), vemos tanto engenhosidade quando uma semente de ganância, se vai brotar algo dali o futuro dirá.
Ainda envolvendo elfos, a relação proibida entre Arondir e Bronwyn (Nazanin Boniadi) é um dos assuntos novos nas telas, mais interessantes. Infelizmente, precisa ser abandonado precocemente para dar espaço ao embate contra o mal maior. A apresentação de Númenor é grandiosa, ainda que seus residentes não estejam à altura disso. Se falha de construção, ou a indicação do início da decadência dessa civilização, ainda vamos descobrir.
Mais próspera é apresentação de Khazad-dûm no auge de sua civilização, com a personagem da Princess Disa (Sophia Nomvete) roubando atenção em carisma, e expandindo a mitologia com seu canto para as rochas. Falando em gente pequena, o núcleo mais surpreendente, carismático e inesperado é o dos pés-peludos. Curiosa e aventureira Nori (Markella Kavenagh), faz a conexão exata com os hobbits que conhecemos, bem como a comunidade nômade de que ela faz parte, já traz algumas características dos moradores do condado. Enquanto o estranho, além de plantar uma boa dúvida ao longo da temporada, pode trazer uma bem vinda história de origem de um personagem bastante amado.
Hallbrand (Charlie Vickers) é o personagem mais complicado de avaliar. Se por um lado seu verdadeiro propósito, proporciona uma reviravolta interessante e um grande impacto da jornada de Galadriel. Por outro, sua própria jornada não faz muito sentido. Encontrar a pessoa certa em um naufrágio, ser resgatado, encontrar voz em uma grande civilização... são muitos fatores incontroláveis para fazer parte de um bom plano. O que nos faz pensar, ele estava improvisando? Seu destino fizera parte de seu plano desde o princípio, ou fora fruto da oportunidade? Novamente, questões que podem fazer sentido em temporadas futuras.
Já todo o investimento alardeado pela publicidade da série pode ser visto em cena. A perfeição dos efeitos especiais, a riqueza de cenários, figurinos, perucas e maquiagem é de deixar muito blockbuster com inveja. Minha reclamação fica por conta do design dos barquinhos dos numenorianos. Onde os cavalos vão naquelas canoinhas? O design dos barcos em CGI, também não combina com o convés e o interior onde os atores circulam. Mas todo o resto está deslumbrante, das áreas pobres e desgastadas dos povos do sul, passando pela riqueza de Númenor, a imponência dos elfos, a complexidade de Khazad-dûm, a devastação dos orcs e a naturalidade dos pés-peludos.
Apesar de ter o mesmo material de origem, o design da série consegue imprimir personalidade própria ao mesmo tempo que referencia os filmes de Peter Jackson. A sensação é de que estamos observando o mesmo mundo, em outra época. O que de fato, é o que ocorre. A familiaridade é completada pela trilha sonora imponente, que evoca sem receios a trilha da trilogia dos cinemas.
Tal investimento monetário não alcançou o departamento de elenco, que optou por rostos menos conhecidos. A presença de atores de renome e experientes poderia ajudar a tornar mais palatável o texto engessado que mencionei antes. Entretanto uma figura muito conhecida poderia se sobrepor ao personagem. Ao final das contas, a escolha de elenco funciona, sendo a maioria deles bastante eficiente no que lhes é pedido até então.
Uma grande e nada apressada introdução. Essa é a sensação que se tem da primeira temporada O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder. A superprodução do Prime Video não é livre de falhas. Precisa de ajustes em seu roteiro, é lenta em seu princípio e corre no fim, apesar de entregar momentos empolgantes em meio a correria. É bem construída o suficiente para nos fisgar e manter interessados para capítulos futuros. Felizmente a segunda temporada já está em produção.
O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder tem oito episódios com cerca de uma hora cada, todos já disponíveis no Prime Video.
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