Spencer

Uma biografia que tem mais comprometimento com o estado de espírito do retratado, que com a os fatos propriamente ditos. Até porquê a intimidade da família real britânica raramente é revelada, geralmente apenas especulada. Assim é Spencer, filme estrelado por Kristen Stewart sobre um momento decisivo na vida da princesa Diana.

O longa acompanha Diana durante os três dias do último natal que ela passou "ao lado" da família real em 1991. "Ao lado" aqui é apenas forma de dizer, já que a princesa àquela altura já estava completamente isolada e descolada da família, à exceção de seus filhos. Uma convivência forçada que fere e perturba uma pessoa que já está profundamente abalada pelas traições do marido, o controle da realeza e a perseguição da imprensa. 

É a agonia e desespero da protagonista que o diretor Pablo Larraín quer transmitir aqui. Em um roteiro sem muitas ações acompanhamos a pressão que essa obrigação coloca sobre a personagem. Diana está o tempo todo inquieta, agoniada, solitária, se sentindo pequena, tal qual as locações amplas em que ela é mostrada reforçam. Assim como a trilha sonora cortante e incisiva que hora de enerva, hora te puxa para fora da narrativa, deixando a princesa novamente solitária.

Os poucos momentos em que Diana se aquieta são aqueles que divide com os filhos e com os empregados. Pessoas com quem tem mais contato, e que de fato parecem ser as únicas que realmente se importam com elas. Empregados vividos de fora brilhante, ainda que sub aproveitados, por Timothy Spall, Sally Hawkins e Sean Harris De fato, da família real mal vemos os rostos, as reuniões são quase sempre omitidas e quando mostradas as pessoas se resumem quase sempre a vultos e borrões no fundo da cena. É com Diana que estamos, é ela que vemos, e assim como ela pouco nos comunicamos com os demais.

Kristen Stewart entrega uma atuação propositalmente exagerada em muitos momentos. Ciente dos trejeitos conhecidos da princesa, ela parece ter os ensaiados exaustivamente. Artificialidade, que surpreendentemente funciona, ao evidenciar o desespero da personagem através de gestos.

Alegorias e referências, como o paralelo com Ana Bolena, o frio da residência que reflete a frieza daquela família, ou a constante busca por sua casa de infância, a casa dos Spencer, são rasos e óbvios, mas também funcionam. Uma vez que não estão ali para criar uma trama elaborada, mas para reforçar o terror e a busca por uma fuga da protagonista.

A fotografia enevoada cria o clima de suspense e isolamento que a trama pede. E a simetria dos quadros transformam o palácio em uma ampla prisão de rigidez e normas. Enquanto a direção de arte e figurino recriam com perfeição não apenas o visual, mas o clima do início dos anos 1990. As roupas também tem a tarefa de destacar Diana dos demais, seja pelas cores diferentes, seja pela insistência da princesa em não usar o que fora determinado para ela.

A grande falha do roteiro de Spencer fica por conta da presunção do conhecimento prévio do público. É verdade a maioria de nós conhece bem a história de Lady Di, e por isso colocamos a personagem no contexto correto, mas isto não devia ser obrigação do público. Uma pessoa sem essa referência, pode entender a protagonista como a "vilã" da história, aquela que nem tenta se relacionar com os demais. Ou ainda sentir certo exagero em suas questões.

Gerações futuras, que não conheceram ou não compreendem a figura de Diana, talvez tenham dificuldades de se conectar com Spencer. Para o público atual, ainda bastante marcado pela sua vida, o longa é um excelente estudo de um estado de espírito. Não é de fato uma biografia, mas uma fábula baseada em uma tragédia real, como afirma o próprio diretor. Uma fábula assustadora e enervante, eu completaria.

 Spencer
2021 - Reino Unido - 117min
Biografia/Drama

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