Hora de revisitar a série que compara e compreende a diferença ente obras literárias e suas versões audiovisuais. Desta vez com um clássico da literatura infanto-juvenil, que já ganhou diversas versões para cinema, TV e até teatro. O Jardim Secreto de Frances Hodgson Burnett e a adaptação homônima para o cinema, laçada em 1993 e dirigida por Agnieszka Holland .
Vale sempre lembrar, essa série não é para apontar supostos erros na adaptação, muito menos, para mostrar que sei mais que os outros. A ideia é identificar as diferenças e tentar entender porque elas existem. Afinal, filme é uma coisa, e livro outra, e ambas as obras devem funcionar por conta própria, logo mudanças precisam ser feitas para se adequar à diferentes linguagens. Vamos lá?
Mary Lennox cresceu na Índia Britânica, negligenciada por seus pais e mimada por suas aias. Quando se torna órfã aos dez anos, a menina é enviada para a Inglaterra, para viver sob os cuidados de seu recluso tio, na depressiva mansão Misselthwaite. Sozinha, ela começa a explorar a propriedade e desvendar seus segredos, que inclui um primo misterioso, um garoto que fala com animais, um jardim secreto e muita magia.
O livro O Jardim Secreto foi lançado em 1911, e desde então teve diversas versões para o cinema (1919, 1949, 1975, 1987, 1993, 1994, 2017, 2020). A escolhida para a comparação neste post é a mais conhecida das versões (e a melhor na humilde opinião desta blogueira que vôs escreve), o longa de 1993, que tem produção de Francis Ford Coppola e Maggie Smith no elenco.
1 - Mary fica órfã!
Esta é a primeira diferença grande entre livro e filme. No original uma epidemia dizima a região onde Mary vive na Índia. Todos morrem ou fogem da doença deixando a menina sozinha, isolada em um quarto da casa. Ainda acompanhamos a garota sendo levada pelas autoridades e acolhida por uma família antes de embarcar para a Inglaterra.
No filme toda a passagem fora simplificada. A epidemia é trocada por um terremoto e uma elipse temporal leva a garota do desastre diretamente para a chegada do navio na Inglaterra. Alteração provavelmente adotada para poupar tempo e se adequar a duração limitada de um filme. E ainda possibilita a inclusão de outros órfãos do terremoto. As crianças apontando como Mary é diferente ajudam a construir de forma rápida e eficiente a personalidade da protagonista. O que não muda é a falta de interesse dos pais de Mary pela garota, outro fator determinante em sua personalidade.
2 - Parentesco
No livro, é o pai de Mary que tem parentesco com a mãe de Colin. Enquanto no filme as mães das crianças são irmãs gêmeas, e Mary se parece muito com ela. A mudança oferece mais nuances emocionais, já que presença da menina na mansão traz de volta a figura da finada Sra. Craven.
3 - A Chave!Muito mais lúdico que no filme, no livro a chave para o jardim está enterrada, e Mary encontra sua localização com a ajuda de um passarinho. Já no longa de 1993, a chave está esquecida no antigo quarto de sua tia em uma ala abandonada do castelo. A mudança acompanha o tom mais realista do filme, onde a magia é mais sutil. Embora o passarinho ainda esteja lá, para guiar a menina até a porta.
4 - O balanço!No livro não há muitas informações sobre a mãe de Colin, apenas que ela morreu no parto. O que era muito comum naquela época. No filme afirmam que a Sra. Craven entrou em trabalho de parto antes da hora ao cair do balanço que fica no jardim. Reforçando o desejo de seu marido de nunca mais visitar o local. O balanço não existe no livro.
5 - A enfermeira de Mestre Colin
No livro o herdeiro adoentado tem uma enfermeira à disposição para cuidar de suas necessidades. No filme, estas tarefas foram acumuladas pela Sra. Medlock, a governanta e responsável pela casa na ausência do Lorde Craven. Enxugar a lista de personagens é uma necessidade comum na adaptação de uma obra literária para o cinema. O excesso de personagens exige mais tempo para explorá-lo, por isso é comum cortar alguns, ou mesmo unir vários deles em uma única persona.
6 - Sra. Medlock
No filme Mary e Colin escondem seus encontros da Sra. Medlock por um bom tempo. No livro a governanta descobre que as crianças são amigas muito mais cedo. Também não há proibição no encontro dos dois, ou restrição de visitas para Colin. Aliás a situação de Colin também é diferente no livro. Mudanças criadas para gerar urgência e intriga no roteiro do filme.
7 - A vida de Colin
Há muitas diferenças entre o menino no livro e filme. Na versão das páginas o menino não é proibido de sair, apenas abomina a ideia. Também não há janelas pregadas, e todo o medo em relação aos germes. Isso porquê o livro foi lançado em 1911, e apesar de serem descobertos na metade do século XIX, os germes provavelmente não eram tão conhecidos na época que Burnett escrevera a história. A mudança atualiza a trama para os espectadores de 93, e cria mais dificuldades a serem enfrentadas pelos protagonistas.
8 - Mentinhas
Tanto no livro quanto no filme, Colin começa a ficar mais saudável quando passa a frequentar o jardim secreto, e decide esconder a melhora até a chegada do pai. Mas no livro a tarefa é muito mais difícil, escondendo o segredo por muito tempo, o garoto precisa disfarçar o apetite, o ganho de peso, e até o humor mais afável. O limite de tempo da duração do filme praticamente elimina todo este desafio, cortando inclusive um personagem vital para este e outros momentos da história.
A mãe de Dickon e Martha é provavelmente o personagem de maior importância cortado pelo roteiro do filme. A matriarca bondosa é descrita como uma criatura amorosa e quase mágica, como o filho. É ela quem alimenta o renovado apetite das crianças, ajudando a manter o segredo. Além de dar dicas preciosas para Sra. Medlock e Lord Craven.
A magia é muito mencionada como algo presente na história. Mas enquanto no livro ela apenas existe, o filme torna as coisas mais diretas, quando inclui uma sequencia onde as crianças fazem um feitiço para trazer Lorde Craven para casa. Esta quebra da sutileza, pretende tornar mais claro para a audiência o fato de que o retorno do pai de Colin também foi movido por magia. No livro, a magia o alcança sem o esforço das crianças, e é reforçada pela chegada de uma sugestiva carta da Sra. Sowerby.
11 - O tio aprendeu a rir, a sobrinha a chorar!
No início do filme Mary afirma que não sabia chorar, ao longo da projeção fica claro que desde a morte da esposa o tio nunca mais sorriu. E após a jornada do longa, ele aprende a sorrir e ela a chorar. Esta passagem é completamente criada pelos roteiristas do filme. Além de poético, é condizente com as personalidades dos personagens e cria uma rima temática entre tio e sobrinha. Um toque especial da versão cinematográfica.
______Apesar das muitas diferenças, a versão de 1993 é provavelmente a mais fiel ao livro de Frances Hodgson Burnett. Um pouco mais direta e pé no chão, suas adaptações existem para atualizar a narrativa para a época em que foi lançado. Mantendo com eficiência a essência do clássico infantil.
Leia a crítica do livro O Jardim Secreto.
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