Separar completamente trabalho e vida pessoal, esse é o sonho secreto de muita gente por aí. Então chega Ruptura (ou Severance no original), série da AppleTV+, que prova que levado ao pé da letra, este desejo não é tão bom quanto parece.
Em Ruptura uma empresa chamada Lumen, tem um programa de trabalho revolucionário. Eles separam literalmente seu lado pessoal e profissional, através de um micro-chip que separa e bloqueia as memórias destes dois aspectos de sua vida. Um procedimento conhecido como ruptura. Quando no trabalho, o funcionário só conhece a vida no escritório. Quando em casa, ele não lembra de nada que ocorre dentro da empresa. Para Mark S (Adam Scott), este parece ser o arranjo perfeito. Até a demissão de um colega de trabalho, e a chegada de um desconhecido em sua vida pessoal, começam a arruinar este equilíbrio.
Adivinhou quem imaginou que há uma grande conspiração por trás desta revolucionária empresa, da qual nunca descobrimos o verdadeiro propósito. Nem mesmo os funcionários compreendem o serviço que estão executando, ao classificar horas a fio, números aleatórios em um retrógrado computador.
Curiosidade pelo mundo real que é agravada pela chegada de uma nova funcionária. Helly L (Britt Lower), não gostou do trabalho, e quer se demitir, mas sua versão externa não permite. É através da adaptação dela que percebemos, este é um trabalho análogo à escravidão, já que esta versão da pessoa só existe no ambiente de trabalho. À certa altura um personagem afirma "os internos não são pessoas", ignorando completamente sua consciência, medos e anseios. Qualquer semelhança com o tratamento dado a povos escravizados, não é mera coincidência. Este é apenas um dos temas levantados por esta ficção cientifica.
A separação da consciência em duas, cria duas pessoas distintas? Suas personalidades divergem? Cada um possui uma alma própria? Sendo assim a demissão seria o equivalente à morte para o interno? Estes são apenas os questionamentos filosóficos relacionados ao indivíduo que se submeteu à ruptura.
Há também espaço, para pequenas jornadas individuais de personagens menores, igualmente interessantes, cheia de mistério e reviravoltas. Coadjuvantes estes, retratados por um elenco estelar que conta com Christopher Walken, Patricia Arquette, John Turturro e Zach Cherry.
Se em sua temática Ruptura é rica, instigante e complexa o suficiente para envolver qualquer um. É no ritmo que a produção pode perder alguns espectadores. Mais lento em seu início, para poder apresentar todos estes conceitos, o roteiro demora a encontrar um equilíbrio entre as duas narrativas contadas, a vida fora e dentro do trabalho. Não é incomum, nos perceber desejando retornar para um ou outro lado da vida de Mark, conforme as tramas se desenvolvem.
Felizmente, na segunda metade da temporada, as duas jornadas se alinham e complementam, para culminar em um tenso e bem construído episódio final. Que só não é perfeito, por apostar em um enervante gancho, como se a série precisasse manter a audiência em suspense para trazê-la de volta para uma segunda temporada. Acredite, quem chegou até ali, está investido e retornaria para um segundo ano, com ou sem final em aberto.
A direção de arte constrói este universo com cenários cheios de propósito e significado. Desde a casa mal iluminada de um Mark que vive pela metade, passando pela tecnologia ultrapassada e visual retrô dos escritórios da Lumen, até o opressor museu da empresa, e a iconografia religiosa relacionada a seu criador. Impossível não imaginar os funcionários como ratos de laboratório em um labirinto, em suas longas caminhadas pelos iluminados porém confinantes corredores da empresa.
E claro, vai desmitificar qualquer desejo de separar o pessoal do profissional. Ser uma pessoa completa provavelmente é a melhor opção.
Ruptura é uma série original da Apple TV+, sua primeira temporada tem nove episódios com cerca de uma hora cada. O segundo ano já foi confirmado pelo serviço de streaming.
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