Ruptura - 1ª temporada

Separar completamente trabalho e vida pessoal, esse é o sonho secreto de muita gente por aí. Então chega Ruptura (ou Severance no original), série da AppleTV+, que prova que levado ao pé da letra, este desejo não é tão bom quanto parece.

Em Ruptura uma empresa chamada Lumen, tem um programa de trabalho revolucionário. Eles separam literalmente seu lado pessoal e profissional, através de um micro-chip que separa e bloqueia as memórias destes dois aspectos de sua vida. Um procedimento conhecido como ruptura. Quando no trabalho, o funcionário só conhece a vida no escritório. Quando em casa, ele não lembra de nada que ocorre dentro da empresa. Para Mark S (Adam Scott), este parece ser o arranjo perfeito. Até a demissão de um colega de trabalho, e a chegada de um desconhecido em sua vida pessoal, começam a arruinar este equilíbrio. 

Adivinhou quem imaginou que há uma grande conspiração por trás desta revolucionária empresa, da qual nunca descobrimos o verdadeiro propósito. Nem mesmo os funcionários compreendem o serviço que estão executando, ao classificar horas a fio, números aleatórios em um retrógrado computador. 


É o distúrbio no cotidiano de Mark que movimenta a história. Enquanto o "externo", a versão que vive fora da empresa, começa a questionar o que faz nas horas em que está trabalhando. O mundo de escritório do "interno", a versão que só trabalha, deixa aos poucos de ser suficiente para ele. 

Curiosidade pelo mundo real que é agravada pela chegada de uma nova funcionária. Helly L (Britt Lower), não gostou do trabalho, e quer se demitir, mas sua versão externa não permite. É através da adaptação dela que percebemos, este é um trabalho análogo à escravidão, já que esta versão da pessoa só existe no ambiente de trabalho. À certa altura um personagem afirma "os internos não são pessoas", ignorando completamente sua consciência, medos e anseios. Qualquer semelhança com o tratamento dado a povos escravizados, não é mera coincidência. Este é apenas um dos temas levantados por esta ficção cientifica.

A separação da consciência em duas, cria duas pessoas distintas? Suas personalidades divergem? Cada um possui uma alma própria? Sendo assim a demissão seria o equivalente à morte para o interno? Estes são apenas os questionamentos filosóficos relacionados ao indivíduo que se submeteu à ruptura.


A série ainda encontra tempo para discussões sociais e éticas relacionada ao experimento. Além de críticas ao ambiente corporativo, as dinâmicas de trabalho ultrapassadas e controladoras, abuso contra funcionários, lavagem cerebral e a fidelidade obrigatória à empresa, que beira os elementos de uma seita. Aqui, o roteiro usa e abusa de referências à iconografia e práticas religiosas, para ilustrar a forma como Lumen consegue manter seus empregados controlados. 

Há também espaço, para pequenas jornadas individuais de personagens menores, igualmente interessantes, cheia de mistério e reviravoltas. Coadjuvantes estes, retratados por um elenco estelar que conta com Christopher Walken, Patricia Arquette, John Turturro e Zach Cherry.

Se em sua temática Ruptura é rica, instigante e complexa o suficiente para envolver qualquer um. É no ritmo que a produção pode perder alguns espectadores. Mais lento em seu início, para poder apresentar todos estes conceitos, o roteiro demora a encontrar um equilíbrio entre as duas narrativas contadas, a vida fora e dentro do trabalho. Não é incomum, nos perceber desejando retornar para um ou outro lado da vida de Mark, conforme as tramas se desenvolvem. 

Felizmente, na segunda metade da temporada, as duas jornadas se alinham e complementam, para culminar em um tenso e bem construído episódio final. Que só não é perfeito, por apostar em um enervante gancho, como se a série precisasse manter a audiência em suspense para trazê-la de volta para uma segunda temporada. Acredite, quem chegou até ali, está investido e retornaria para um segundo ano, com ou sem final em aberto. 

A direção de arte constrói este universo com cenários cheios de propósito e significado. Desde a casa mal iluminada de um Mark que vive pela metade, passando pela tecnologia ultrapassada e visual retrô dos escritórios da Lumen, até o opressor museu da empresa, e a iconografia religiosa relacionada a seu criador. Impossível não imaginar os funcionários como ratos de laboratório em um labirinto, em suas longas caminhadas pelos iluminados porém confinantes corredores da empresa.


Complexa, intrigante, inteligente, cheia de mistérios e críticas, Ruptura, deve agradar fãs de séries como Black Mirror e Lost. A primeira pelos conceitos de ficção científica com crítica social, a segunda pelas inúmeras teorias e conspirações possíveis. Além de conquistar qualquer um que procure, uma boa produção, cheia de intriga, tensão e sem respostas fáceis ou simplórias. 

E claro, vai desmitificar qualquer desejo de separar o pessoal do profissional. Ser uma pessoa completa provavelmente é a melhor opção. 

Ruptura é uma série original da Apple TV+, sua primeira temporada tem nove episódios com cerca de uma hora cada. O segundo ano já foi confirmado pelo serviço de streaming. 

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem