Watchmen - a série

Quando foi publicado, em 1986 e 1987, Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons, chamou atenção, entre outras coisas, por ser um retrato de sua época. Em 2019 a série homônima da HBO também é um reflexo de seus dias, tanto em sua temática e críticas à sociedade, quanto a tendência de resgatar e explorar universos já conhecidos.

Revisitamos o universo de Watchmen três décadas após os acontecimentos da HQ. Agora os vigilantes mascarados são contra a lei, mas em Tulsa, Oklahoma, é a polícia quem usa máscaras para proteger sua identidades. Acompanhamos a detetive Angela Abar (Regina King), durante a investigação de um assassinato de um colega, que dá o pontapé inicial à uma intriga muito maior e mais antiga.

Há quem diga, que é uma certa preguiça e falta de criatividade da indústria, a avalanche de remakes, reboots e adaptações que inundam as telas atualmente. Entretanto, tudo é facilmente perdoado, se seus criadores mostrarem que há algo novo para contar. Damon Lindelof (Lost, The Leftovers) encontrou o um excelente argumento, para sustentar sua crítica social atual em forma de continuação da história de Moore.

Logo nos primeiros minutos do piloto, ele leva a trama Massacre de Tulsa de 1921, o pior incidente de violência racial da história estadunidense, por muito tempo ocultado de sua própria história. Apontando desde o início, que prende falar de racismo, crimes de ódio, e atual força dos movimentos de supremacia branca, como o KKK e a fictícia Sétima Kavalaria. Há também, espaço para falar sobre família, legado, divindade, impotência, manipulação, adoração, política e fazer analogias e paralelos com super-heróis mais "famosos" como Superman.

Watchmen faz isso quebrando paradigmas e revendo conceitos. A polícia mascarada, o homem branco acuado por um policial negro, o marido "dono de casa", a família inter-racial, a divindade que se entedia e abandona sua criação, é através do choque pelo diferente que a série passa sua mensagem.

A personagem de Regina King (poderosa em cena), Angela é o fio condutor da trama, quem conecta a todos e tem o arco mais complexo e melhor desenvolvido. Assim como Will Reeves (Louis Gossett Jr., primeiro negro a ganhar um Oscar de ator coadjuvante), uma brecha muito bem aproveitada da HQ. Outro que tem sua história bem contada, e relação com os eventos das páginas, é embora tenha pouca função no clímax é Looking Glass (Tim Blake Nelson, excelente). Já Lady Trieu (Hong Chau), se destaca mais por suas possiblidades, que por seu papel na trama de fato.

A série também consegue maneiras criativas de trazer velhos conhecidos de volta. A melhor delas fica com Adrian Veidt (Jeremy Irons, se divertindo). O Ozymandias, tem sua jornada solo paralela à trama. Laurie Blake, aSilk Spectre (Espectral, na versão brasileira), tem uma apresentação bem construída, personalidade impactantes e a boa atuação de Jean Smart, mas seu desenvolvimento aconteceu fora de cena, no hiato entre as duas histórias. E pouco tempo é reservado para explorar, ou mesmo explicar estas mudanças, como a escolha de adotar o nome de seu pai, seu trabalho no FBI, e o relacionamento com coruja. Falar qualquer coisa sobre o Dr. Manhattan, provavelmente seria considerado spoiler, então vou me limitar a dizer, que sua participação, atitudes e fraquezas (sim, ele as tem) são condizentes com o personagem apresentado na HQ.

Tudo isso é costurado de forma não linear, em episódios que focam em diferentes personagens, e histórias paralelas, como a "série dentro da série" American Hero Story e toda a trama de Adrian Veidt (Jeremy Irons), sem abrir mão do protagonismo de ângela. O ponto alto, é sexto episódio em um This Extraordinary Being , que mistura, presente e passado, desenvolve personagem ao mesmo tempo que explora um flashback, em um trabalho impecável de roteiro e montagem. O resultado é um bem montado quebra-cabeças, cheio de pistas e referências, da própria série, da HQ e de conteúdo extra lançado simultaneamente. A ideia é promover uma experiência multiplataforma, assim como Lost.

Infelizmente, este diferencial pode ser considerado a maior fraqueza da série. Embora seja divulgado que não é necessário conhecer o material original, ter lido a HQ, ou mesmo visto o longa-metragem de 2009 aprimora e muito sua experiência. Até aí tudo bem, vivemos em um mundo de "sequencias". A coisa complica quando há a necessidade de acompanhar material extra, como os podcasts ou o site oficial Peteypedia, para compreender o todo. A série precisa funcionar sozinha, o material liberado apenas em inglês, acaba por excluir todo o resto do mundo. Uma falha se considerar o alcance da HBO.

Curiosamente, ao mesmo tempo que exige esforço do espectador em acompanhar a história em várias fontes. A série também facilita, ao explicar demais algumas referências e acontecimentos, ao invés de apostar na memória e percepção do espectador. Nada, no entanto, que comprometa a experiência.

Outro que não compromete a experiência, mas também pouco agrega, é o episódio final. Apressado, parece querer apenas encerrar a história. Não é um episódio ruim, mas destoa do belo crescente em que a série estava. Basta notar que a própria protagonista passa boa parte do episódio apenas observando os múltiplos planos maléficos se desenrolarem. E apesar de encerrar aquela disputa específica em Tulsa, deixa muitos temas e personagens a serem explorados. Lindelof afirma que criou a série como uma história fechada, e não pretende dar seguimento, mas ainda há muita a ser contado neste universo.

A série Watchmen, é como seu criador diz uma adaptação/sequencia/remix, de um universo complexo e cheio de críticas à sociedade. Acerta em espelhar a história daquele mundo nos problemas do nosso, através de um roteiro inteligente e bem construído. Boa direção, edição, atuações e trilha sonora (sim, preste atenção à musica está cheia de significados) completam o pacote desta excelente obra, que respeita, homenageia, aprimora e avança o material original, enquanto constrói sua própria história. Faz lembrar que é possível sim, ser criativo com franquias já conhecidas. Com certeza é uma das melhores produções deste ano.

Watchmen é da HBO, tem nove episódios, todos disponíveis na HBO Go.

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