Eu, Tonya

Se não fosse inspirada em fatos, Eu, Tonya provavelmente seria uma comédia de erros à exemplo de Fargo. De fato, talvez se trate de uma comédia de erros da vida real, criada involuntáriamente pelas personalidades quase absurdas que a povoam.

O longa retrata de forma peculiar a vida da patinadora artística Tonya Harding (Margot Robbie). Promessa no esporte desde a infância, a moça de origem humilde (e nada compatível com o esporte elitista), teve uma vida no mínimo "conturbada", que culminaria no episódio criminoso que abalou o orgulho "estadunidense" às vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994.

Para abordar um caso tão conhecido e que mexeu bastante tanto com o imaginário, quanto com o ego de uma nação, o diretor opta claramente, por um tom de deboche. Não em relação ao crume em si, mas às personalidades e circunstâncias em que o caso ocorreu. Escolhas idiotas, e atitudes atrapalhadas dignas de uma comédia de absurdos.

De família simplória, Tonya não se encaixa no esporte onde aparência é tudo. Assim, como aqueles que a cercam, os tipos mais equivocados e inapropriados que se poderia imaginar em tal meio, como o marido Jeff Gillooly (Sebastian "Soldado Invernal" Stan) e o segurança vivido por Paul Walter Hauser. Este último trapalhão mor das atividades impossíveis do grupo.

Em meio a um elenco afinado é Allison Janney quem mais se destaca. Sua LaVona, mãe de Tonya, é desbocada, egoísta, arrogante, aproveitadora, sarcástica, tem os métodos educacionais mais repreensíveis, e tem sempre a certeza de que está com a razão (ou pelo menos finge muito bem). O que a torna fascinante, mesmo que desprezível. Mas os holofotes estão mesmo é sobre Margot Robbie, que surpreende ao encarnar uma persona deselegante, que herdou muitos dos atributos da mãe, e até feia. Ok, está última característica também conta com um belho trabalho da caracterização e do design de produção, que traz de volta o glamouroso exagero cafona das década de 1980 e início dos anos 90. O resultado é uma personagem que por mais que repreendamos, ainda sentimos um pouco de pena, e compreendemos em parte as circunstâncias que a tornaram assim.

Com personagens de caráter duvidoso, é impossível esquecer de que a verdade é relativa. O filme abraça esse conceito assumindo o formato de falso documentário e dando voz a seus personagens, para que cada um conte a sua versão da história. É aqui que a montagem quebra a expectativa do público, ao mostrar imagens e narração que nem sempre são coerentes. E já que a sua palavra nem sempre é a mais confiável, os protagonistas não hesitam em quebrar a quarta parede. Afinal, se falarem diretamente com a gente, talvez acreditemos em suas histórias.

Como é contado do ponto de vista de Tonya e seus amigos família comparsas, o filme assume que a protagonista tem uma culpa menor do que muitos acreditam. Por outro lado, recria cenas e falas retransmitidas à exaustão pela mídia da época (fica a dica, procure imagens da patinadora no YouTube após ver o filme). Oferecendo certa veracidade à sua abordagem. 

Ainda há tempo para críticas ao elitismo, à imposições de padrões, ditadura de aparências, culto à celebridades, ao circo midiático, ódio exacerbado e intolerância. Tudo isso abordado de forma sarcástica, e divertida daquele jeito errado, no qual o espectador se percebe rindo de coisas que não devia. 

Se em Eu, Tonya a verdade é relativa, ao menos os erros e absurdos são certeiros. Assim, como o tom, para abordar uma história muito conhecida da qual ironicamente, dificilmente descobriremos toda a verdade, mesmo porquê hoje em dia é "notícia antiga".

Eu, Tonya (I, Tonya)
EUA - 2017 - 120min
Biografia, Drama, Comédia


*Eu, Tonya estreia nos cinemas brasileiros dia 15 de fevereiro de 2018

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