Talvez seja hora da Netflix frear a enxurrada de produtos originais. Dar um passo atrás, observar sua galeria e dar atenção aos projetos que já tem, pois Death Note é um dos muitos equívocos que do serviço de streaming nos últimos meses.
Inspirado pelo mangá de Tsugumi Ohba esta releitura mantém a premissa instigante, um adolescente encontra um caderno que permite ao seu portador matar pessoas apenas escrevendo seus nomes nele, o tal Death Note. Se ter o poder sobre a vida e a morte já é tarefa complexa para seres mitológicos, imagina para um adolescente comum. Mas desta vez a história se desenrola em Seatle em um típico high scholl estadunidense.
A adaptação para o público ocidental, que inclui mudança de cidades, de etnias e nomes de personagens, e até de algumas regras do caderno já eram previstas. E não existe nenhum problema nestas alterações. A complicação veio quando o roteiro resolveu simplificar os dilemas que essa grande responsabilidade traz para a vida Ligth (Nat Wolff, completamente perdido).
Apresentado como um jovem com inteligência acima da média, e frustado com o fato do assassino de sua mãe sair impune, a primeira grande utilidade que o protagonista encontra para o Death Note é... impressionar uma garota. Mia Sutton (Margaret Qualley, muito bem em The Leftovers, aqui apenas fazendo o possível) até tem uma personalidade mais instigante, mas não escapa do papel de bode expiatório do roteiro que tem a necessidade patológica de transformar o mocinho em um herói.
Ao se tornar juiz, juri e executor, Ligth não passa por nenhum dos dilemas que mesmo justiceiros ou vigilantes enfrentam ao fazer justiça com as próprias mãos. Quais os limites para alguém com tamanho poder? Como manter questões pessoais afastadas de seu julgamento? Entre outras questões. Também há toda questão da mitologia em torno do caderno, sua origem, usos, portadores, regras (e a possibilidade de burlá-las) que nunca são de fato exploradas.
E por falar na mitologia em torno do Death Note, é nela que está o único grande acerto da produção. Ryuk, o shinigami dono do caderno que aqui tem o papel apenas de atiçar o menino a usá-lo, ganhou um visual interessante, muito fiel à 'versão desenhada', mas que funciona em live action, embora o tom do filme não comporte sua presença em muitos momentos. A escolha de Willem Dafoe como seu interprete também é afinada. Especialista em vilões, é o melhor em cena, sem no entanto estar lá literalmente.
Outra chance desperdiçada é o embate de cérebros entre os supostos gênios, Light e L (Lakeith Stanfield). A dupla até engaja uma caçada estilo gato-e-rato enquanto o -"consultor?"- prodígio tenta persegue o culpado pelas mortes misteriosas. O que ele faz usando pistas surgidas por mágica, lógica misteriosa, e escolhas confusas como base de investigação. O que torna todo o arco policial pouco convincente e muito dependente da boa vontade do espectador.
Mesmo as novas regras criadas pelo filme são mal utilizadas. A principal delas, que permite a escolha da forma em que a pessoa vai morrer, serve apenas para manipular à trama para criar um desenrolar conveniente e criar "mortes mais legais". Já as mortes, tem o estilo da franquia Premonição. Gráficas e exageradas fingem impactar, mas não são comprometedoras de verdade para que o filme encaixe na censura de 16 anos.
Não é incomum uma produção flertar com vários gêneros, mas Death Note simplesmente não sabe a que gênero pertence. Policial, terror, comédia, filme de high school, todos presentes e construídos com tons diferentes que não conversam entrem si. Talvez por isso a escolha da trilha sonora seja tão desastrosa, as letras podem até dialogar com o tema, mas o tom simplesmente não encaixa e o você se descobrirá pensando na música ao invés do que está acontecendo na tela como um todo.
Explorar seus temas com uma nova visão, oferecer uma abordagem diferente, atualizar para novas gerações, trazer para um público novo, existem várias razões para criar uma nova adaptação de uma obra. Entretanto, se ao fazer isso você vai deixar de lado suas principais características e temas, ou seja o que faz única, porque adaptar. Crie algo novo! Talvez seja a hora da Netflix questionar um pouco mais seus motivos e objetivos antes de criar uma nova adaptação.
EUA - 2017 - 101min
Suspense, Terror, Fantasia
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