O Último Episódio

Falando de um viés muito mais particular do que costumo fazer por aqui, acredito que para mim os mariores méritos e problemas de O Último Episódio vem do mesmo ponto. Eu vivi o ano de 1991, quando se passa a trama. O quanto nostalgia e fidelidade vão interferir em seu mergulho no filme dependerá de cada espectador.  

Erik (Matheus Sampaio) tem treze anos, e vive com a mãe no bairro de Laguna, em Contagem, Minas Gerais no ano de 1991. Para impressionar a menina que ele gosta na escola, afirma ter a fita com o mítico episódio final da série animada Caverna do Dragão. É claro que a garota pede para assistir, e então ele resolve gravar o episódio com a antiga filmadora do pai, e com a ajuda dos amigos Cristão (Tatiana Costa) e Cassinho (Daniel Victor). Nesse processo, vai desenterrar segredos, iniciar seu amadurecimento, e claro, enfrentar "altas confusões do barulho"!

A intenção do roteiro é clara, usar o processo de criação do desenho para fazer o trio enfrentar desafios físicos e emocionais. Uma fórmula eficiente e bem conhecida de quem acompanhava as sessões da tarde na década de 1990. Tornando a premissa, uma proposta acertada para engajar as crianças de hoje, que vão ter a amostra de uma infância diferente. E fiscar os adultos pela familiaridade e a nostalgia. O que funciona, até certo ponto.

O roteiro do também diretor Maurilio Martins peca ao não encontrar o equilíbrio entre todos os temas que decide abordar. E também não consegue conectar todos ao "desafio principal", a produção do episódio. Assim os temas principais, a morte do pai de Erik, a distância da mãe de Cristão, e a rigidez religiosa da mãe de Cassinho, são trabalhadas de forma tão superficial, que podem até passar de forma despercebida por muitos, antes de de fato serem escancaradas em suas resoluções.

Enquanto isso, o roteiro se distrai com referências e situações da memória do diretor/roteirista que não avançam a trama, tão pouco desenvolvem os personagens. Como os episódios da primeira bebida e do roubo da câmera de vídeo. Falta objetividade e foco para manter apenas as memórias que agregariam à história que ele de fato pretende contar. Talvez resultado do fato do filme ser auto-biográfico, e às vezes é difícil se distanciar nesses casos.

Em contrapartida, o esforço investido nessas recriações da atmosfera dos anos 90 é admirável. Cenários, figurinos e, principalmente, objetos foram recriados e encontrados pela produção para construir um passado realista e reconhecivel.  O problema é que eles sabem desse mérito e não conseguiram a resistir e exaltá-lo. 

Assim o protagonista usa uma camisa com o logo do chiclete PingPong com uma jaqueta do Guns N' Roses, bebe guaraná Brama, usa uma câmera Panasonic, enquanto sua amiga usa uma mochila da Company. Marcas, rótulos e personagens estão sempre virados para frente, ganham closes, estão sempre em evidência. O que é legal para quem tem memória afetiva com eles, mas desvia atenção da trama e evidencia os momentos em que essa fidelidade não pode ser mantida. Em especial a versão não oficial de Doce Mel, da qual não devem ter conseguido os direitos da gravação com a Xuxa. 

O elenco mirim é esforçado, tem boa química, e entrega emoções genunínas nos momentos mais dramáticos. Mas um pouco mais de energia seria bem vindo. Enquanto o adulto entrega o que é necessário aos personagens, e serve de base para o elenco jovem. Entre eles, a caracterização é o ponto mais forte. 

O Último Episódio é um filme cheio de boas ideias, com potencial inclusive de se tornar um sucesso comercial. Mas perde o foco de sua trama principal, apostando mais na nostalgia e na memória de seu autor do que em sua boa proposta. Desafiando a memória afetiva do público que vai pegar algumas incoerências, mas também vai se deliciar com as referências as suas próprias infâncias. Ainda sim, é um filme caprichado, cheio de sentimento, e divertido. Mas, poderia ser muito mais que isso!

O Último Episódio 
2025 - Brasil - 117min
Aventura, Drama

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