O governo usa de uma desculpa frágil para abduzir e sumir com toda uma classe de pessoas da população. Até que uma heroína que discorda desse sistema, resolve escapar dele quando sua vez finalmente chega. Não, não estou falando da nova distopia juvenil internacional, à lá Jogos Vorazes, do momento. Muito pelo contrário, O Último Azul é uma história sobre pessoas no fim da vida, em um cenário brasileiro muito particular. E ainda sim, com dramas e temas universais.
Em um futuro não muito distânte o governo brasileiro, envia idosos para colônias distântes. O propósito seria liberar os mais jovens do fardo de cuidar deles, para que possam se concentrar no trabalho, e manter a produtividade econômica alta. Teresa (Denise Weinberg) é pega de surpresa pela redução na idade para ser levada, de 80 para 75. Então com 77 anos, faz de tudo para realizar um último desejo, andar de avião, antes de ser obrigada à abandonar sua casa e família.
Não demora muito para percebermos que esse desejo súbito de voar, nada mais é quem uma metáfora e uma fuga. Mais que um desejo de ver os céus, é uma necessidade de adiar o que parece inevitável. Necessidade essa que compreendemos completamente, ao se colocar no lugar da protagonista e vivenciar a forma como a velhice é tratada, como uma sentença de morte, precedida por invalidez.
De repente, porque uma metrica etária é estabelecida, Teresa deixa de ser responsável por si mesma. Precisando de autorização da filha até mesmo para comprar um lanche. Sendo considerada incapaz de trabalhar, e até mesmo cuidar de si mesma sozinha. Sendo obrigada a usar fraldas, e a andar no "cata-velho", uma espécie de carrocinha para idosos. Ignorando o fato de que ela é tão capaz quanto ontem, quando o limite estabelecido não havia sido alcançado.
Denise Weinberg conquista nossa empatia logo nos primeiros minutos em que esse novo mundo nos é aprentado. Criando uma protagonista totalmente lúcida e ciente de suas capacidades, e aparentemente uma das poucas que discorda desse sistema. De fato, a única coisa que ela parece não entender, é como todos tratam a situação com tanta naturalidade.
Uma vez conquistada nossa confiança, o filme toma um rumo próprio. Deixa de lado as burocracias do sistema, para se transformar um num road movie, um filme de estrada. Ou melhor, um filme de rio, já que a fuga de Teresa segue pelos caminhos do Amazonas.
A mudança talvez decepcione alguns. Admito, eu mesmo queria saber mais da colônia, do sitema, da sociedade em torno desta nova realidade. Mas quem estiver disposto, vai logo compreender que o diretor e roteirista Gabriel Mascaro, pretende contar uma história muito particular. E com isso nos fazer refletir sobre o coletivo.
Assim, Teressa segue pelo rio, tendo uma série de encontros que mostram para nós, e confirmam para ela, que a senhorinha ainda tem muito o que viver. De aprender a pilotar um barco à encontrar uma nova companhia de vida. Os personagens chave para essa jornada trazem figuras típicas da sociedade. Do lobo solitário vivido por Rodrigo Santoro, que aparece muito menos do que o marketing alardeia. Passando prelo típíco trambiqueir brasileiro de Adanilo. Até uma alguém com experiencia de vida completamente diferente, mas que compartilha os mesmos anseios da protagonista, personagem de Miriam Socarrás.
Santoro, Adanilo e Socarrás, completamente ciêntes de seus personagens, e da relação que devem construir com a protagonista. Entregando atuações acertadas, e tão interessantes quanto a de Weinberg. Impossível não querer continuar acompanhando cada um deles, sempre que suas participações acabam.
Para completar o pacote, figurinos, maquiagem e direção de arte, constróem um Brasil bastante familiar ainda que visivelmente decadente. E que se integra perfeitamente com os cenários naturais da Amazônia, verde humida e cheia de mistérios. Como o tal caracol da baba azul, que muitos poderiam acreditar realmente existir.
O Último Azul não escolhe o caminhoi óbvio de sua premissa. Embora essa opção também pudesse render uma boa história e suas reflexões. Ao invés disso, prefere ser episódico, evoluindo a jornada da protagonista, e nossa percepção a cada novo encontro. O resultado são reflexões e críticas complexas sobre a forma como tratamos o envelhecimento hoje em dia.
O final repentino e em aberto me deixou refelexiva e em dúvida. Provavelmente essa é a intenção. Mesmo assim, é possível concluit a principal mensagem. De que a vida não precisa ter um limite de tempo para encerrar, nem limitações a serem impostas conforme envelhecemos. Ela pode apenas continuar seguindo eternamente, mantendo sua finitude como mistério, pra quem vive. Sabemos que vai acabar um dia, não importa quando, desde que que vivamos plenamente enquanto não acontece. Assim como o desfecho de Teresa.
O Último Azul
2025 - Brasil - 85min
Ficção-cientifica, Drama, Aventura
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