Filmes com viagem no tempo são maravilhosos né? Até, e principalmente, quando nem estão realmente falando de viagem no tempo. A mudança impossível de tempo proporciona, abre espaço para colocarmos uma lupa em diferentes discussões sociais, e ainda nos divertir com isso. É o caso de Nossos Tempos, filme mexicano da Netflix, sobre uma relação madura diante das imposições da sociedade.
Nora (Lucero) é uma das poucas cientistas, talvez a única, na universidade em que trabalha na Cidade do México em 1966. Ao lado do parceiro e marido Hector (Benny Ibarra), trabalha em um projeto de viagem no tempo que, após anos de pesquisa, finalmente funciona. Mas ao invés de os levar apenas quinze minutos para o futuro, os traz à 2025. E é aí que a trama de fato começa.
Quase sessenta anos de avanços geram um grande impacto na relação do casal. Já que Nora pela primeira vez não precisa de Hector para abrir portas (figurativas) e validar suas opiniões. Em 1966, ela só conquistara seu espaço porque o apoio do marido permitia o aval da sociedade, como sua parceira, assistente. Em 2025 são seus méritos que lhe dão voz, e não é surpresa, seu trabalho é melhor que o de seu marido, que não gosta nada dessa nova perspectiva.
Entre os choques geracionais, boas referências à De Volta para o Futuro - esqueça o óbvio Delorean, veja como a máquina do tempo deles congela durante a viagem, tal qual o veículo de Marty McFly - Nossos Tempos está discutindo papéis e espaços de homens e mulheres na sociedade. O avanço dos anos 60, até o presente, e o quanto ainda é preciso avançar. Tudo isso na forma como a relação de Nora e Hector se desenrola.
Inicialmente o casal segue o mesmo compasso, no estranhamento e falta de pertencimento neste novo mundo. Mas, sem as amarras de seis décadas atrás, Nora logo se adapta e gosta dos novos tempos. Enquanto Hector, se rejeita e se ressente das mundanças. Não por ser um homem mal, mas por ser uma mente de seu tempo, acostumada com privilégios fáceis que agora não mais tão garantidos assim.
O curioso, é que a reação de Hector ao sucesso da mulher é detestável, mas compreensível. Em sua realidade tal liberdade era impensável. Mas alguns homens de 2025 continuam a se ressentir de tempos que sequer viveram. Reforçando que apesar de muitos avanços pela equidade de gêneros, estamos longe do "mundo ideal".
Quanto à viagem no tempo, esta é mesmo apenas um facilitador para a discussão. Tanto que sua invenção não tem impacto no mundo, nem em 2025, muito menos em 1966. Até entre os acadêmicos que mais tardem se envolvem no projeto para ajudar a dupla a retornar para sua época, a relevância parece ser pouca. O mesmo vale para a lógica e a atividade cientifica envolvida, que se aproxima mais da "tecnologia mágica" de Wakanda, do que de qualquer tentativa de conferir veracidade. Não é esse o foco do filme.
Esse desapego com a própria viagem no tempo, pode desagradar àqueles que deram o play apenas por isso. Mas para quem entender que a produção pretende discutir outras coisas, a jornada será divertida. A atuação é um pouco mais dura do que estamos acostumados, mas não chega a ser caricata como esperamos de produções do México. E o ritmo é um pouco mais lento do que esta blogueira que vos escreve gostaria. Mas não chega à estacionar, ou mesmo ser entediante.
Nossos Tempos é um fofo e maduro drama romântico com viagem no tempo. Pode não ser verosímil em relação à ciência (viagem no tempo não existe, então que filme seria), mas é realista quanto as relações, e a influencia da sociedade nelas. Oferecendo uma discussão inteligente, equilibrada, e ainda sim um final doce. Um filme adorável!
Nossos Tempos (Nuestros Tiempos)
2025 - Mexico - 90min
Drama, Romance, Ficção científica
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