Adolescência

Uma forma ousada e bem pensada para falar de um tema atual, relevante e que ainda não compreendemos totalmente. Esta é a descrição mais objetiva com que podemos apresentar Adolescência, nova minissérie fenômeno da Netflix. Mas seria uma pena nos limitar a uma descrição, precisa, mas tão simplista. Já que o programa abre espaço para discutirmos sua forma, conteúdo e o modo como os dois interagem, de maneira rara hoje em dia. 

Acompanhamos o caso do assassinato da jovem Katie (Emilia Holliday) adolescente que foi assassinada, ao que tudo indica pelo colega Jaime (Owen Cooper) de apenas treze anos. Através de momentos específicos no tempo, a série não analisa necessariamente o crime, quem matou, a investigação, ou mesmo o julgamento. O foco aqui é compreender o ambiente, a sociedade que leva alguém tão jovem em um crime hediondo. E principalmente como isso afeta os mais velhos, que parece incapazes de acessar e compreender este universo particular que é a adolescência atual, criada por internet e redes sociais. Na qual não se está seguro mesmo em seus quartos. 

É difícil discutir e analisar Adolescência, sem dar alguns spoilers. Mas uma vez que são a forma de contar a história e as discussões que ela propõe que tornam essa série única, não acredito que saber um pouco mais seja prejudicial. Mesmo assim, está livre pra ir conferir os episódios primeiro, e depois retornar à esta resenha. 

Então, no primeiro episódio, acompanhamos a captura do assassino. A entrada agressiva da polícia, em uma manhã comum em uma casa do subúrbio, a apreensão de um menino franzino, assustado e aparentemente inofensivo. E a confusão dos pais, que também é a nossa, já que as informações do caso, são reveladas aos poucos. Nos fazendo acreditar que se trata de um engano, e sofre pelo assassino por boa parte do tempo. 

Ao mesmo tempo, como brasileiros (e isso é um diferencial triste) nos surpreendemos com os protocolos rígidos. E o respeito com que a policia britânica trata o suspeito. Ciente do fato, que ainda é apenas um suspeito, e principalmente, talvez seja alguém jovem demais para compreender tudo que está se passando. 

Já o segundo episódio, acompanha os detetives Bascombe (Ashley Walters) e Frank (Faye Marsay) à escola dos envolvidos. Fazendo perguntas e tentando dialogar com uma geração tão diferente que até parece falar um idioma próprio, que nós público também não sabemos. 

No terceiro capítulo, saltamos meses no tempo, para observar a última interação de uma psicóloga (Erin Doherty) com o culpado. Uma derradeira tentativa de compreender o que se passa em sua mente, e quem sabe direcionar melhor o julgamento e o futuro daquela criança. Um episódio intimista e visceral onde o excelente estreante Owen Cooper, mostra raiva, vulnerabilidade, agressividade, carência, e outros sentimento mais complexos em um curto período de tempo. Enquanto a personagem de Doherty, tenta compreender e guiar esta conversa, se se deixar envolver. Tarefa extremamente complexa. 

E finalmente nos voltamos para a família do jovem, um ano depois, ainda lidando com as consequências dos atos do filho. A hostilidade da sociedade, a incapacidade de retornar a uma rotina, se relacionar com os membros da família que ficaram e, principalmente, a culpa. Embora o roteiro não faça juízo de valor, e pouco aponte culpas, os pais tem sua própria culpa inerente a paternidade. E que a essa altura, nós do lado de cá da tela, também estamos tentando absorver. 

Pois Jaime veio de um lar carinhoso e bem intencionado. Que acreditava estar criando um jovem saudável e seguro, mas que está alheio as influencias que recebem do mundo que tem nas mãos, a internet. Assim como para os pais é impossível não se questionar, onde erraram. Para nós é inevitável pensar que poderia acontecer conosco. Não que os responsáveis não cometa erros, o pai te arroubos de violência, ao ser levado ao limite. Mas não é a influencia, ao menos, não a única quanto ao que o filho se tornou. 

Assim, Adolescência acende um alerta para uma discussão para qual não estamos preparados, a "nova adolescência". Foi-se o tempo que as preocupações eram, drogas, gravidez precoce, futuro, bullying. Esta geração está enfrentando um problema completamente novo, a formação de caráter regida pelas redes sociais, e sua influencia na autoestima, visão de mundo, e claro, ações. Se antes eram os pais, escola e comunidade que poderiam errar e desencaminhar os jovens, agora é o mundo. Maior, mais complexos, e sob o qual temos ainda menos controle. 

Mas esses são "apenas" (não que seja pouco) os temas da minissérie. Todos potencializados pela forma espetacular com que os capítulos são construídos, inteiramente em planos sequencia. Técnica que registra toda a ação em um único plano, sem contes, com a câmera transitando e seguindo a história onde quer que seja necessário. O que aqui inclui entrar em carros, andar por corredores de escolas, e até sobrevoar a cidade. 

Trabalho que exige um esforço hercúleo, e uma organização impecáveis para a equipe, uma vez que qualquer erro, exige que o take recomece do zero. E que fica mais impressionante, quando notamos que precisam coordenar, equipe, elenco, transito e figurantes, incluindo muitas crianças entre eles. Sendo o auge da técnica o segundo episódio, na escola onde centenas de adolescentes tem que acertar suas falas e marcas. 

Seguindo para um escopo mais intimista, a construção e variação de sentimento, nos episódios três e quatro, exige uma compreensão e entrega dos atores, pouco vista recentemente. Enquanto o primeiro episódio, nos coloca no meio da ação, junto com a família andando pelos corredores da delegacia tentando compreender o que acontece. 

Logo, a escolha pelo plano sequencia, não é apenas uma decisão de estilo. A técnica potencializa e conversa com os temas debatidos, além de intensificar nossa imersão nas cenas. Sem pausas, sem cortes, seguindo até um simples trajetória de carro, ou caminhada pelo corredor, que em outros formatos seria dispensado. Mas aqui, nos da o mesmo tempo que os personagens tem para digerir tudo que acontece em cena. 

Minissérie com apenas quatro episódios, Adolescência é uma ótima surpresa da Netflix. Um acerto de forma e trama, para nos envolver, e fazer pensar. Ainda é março, mas posso dizer sem medo, é uma das melhores obras de 2025!

Adolescência tem quatro episódios com cerca de uma hora cada. Todos já disponíveis na Netflix.

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