Resistência

Se parece pato, grasna como pato, nada como pato, e pensa que é pato, quem é você para dizer que não é! Eu sei, essa é uma frase esquisita pra começar uma crítica sobre a nova ficção-científica de Gareth Edwards, responsável por Rogue One. Mas o questionamento sobre a natureza da sua realidade está no cerne dos conflitos que movem Resistência

Em um futuro não muito distante, a Inteligência Artificial evoluiu tanto que os robôs fazem parte de nosso cotidiano. Mas, um atentado atribuído a elas nos Estados Unidos, faz com que as IA sejam banidas do ocidente. No oriente entretanto, as formas de vida mecânicas inteligentes, são aceitas e existem em harmonia com a sociedade. O que faz com que os ocidente os vejam como ameaça, e claro, engajem uma guerra mundial pelo fim da tecnologia inteligente. 

Neste cenário conhecemos Joshua (John David Washington) veterano de guerra cheio de cicatrizes físicas e emocionais, que é convencido a retornar a campo para encontrar e destruir uma arma capaz de encerrar o confronto. A surpresa, é que tal arma é uma inteligência artificial em forma de criança. Enquanto percorre o território asiático, ao lado dessa pequena criatura, o militar vai ter sua perspectiva ampliada e alterada, nos levando junto com ele.

A premissa é um prato cheio para discussões e referências e o roteiro tem consciência disso. Não faltam alusões a obras como Blade Runner, Exterminador do Futuro, Apocalipse Now, Matrix, Westworld e até O Rapto do Menino Dourado, só para citar alguns. Inspirações que atendem ao roteiro, e oferecem um senso de familiaridade com o filme. Sensação essa que pode ser uma faca de dois gumes, já que ao mesmo tempo que embarcamos com facilidade nesse universo, também temos a forte sensação de que já vimos este filme antes. 

É nas discussões no entanto, que se encontra a grande fragilidade do filme. Imperialismo, xenofobia, o uso da tecnologia, a desumanização e demonização de outros povos para interesse de próprio, a hipocrisia das grandes potencias, estão entre os muitos temas que o filme aponta, mas pouco discute. A discussão da natureza do ser que citei lá no primeiro paragrafo, cabe ao espectador fazer. Já que o filme apresenta as IAs como formas de vida com identidade e cultura próprias, mas nunca realmente discute sua existência e lugar no mundo. E este é o tema melhor explorado entre todos. 

Surpreendentemente atual, vide as recentes greves de roteiristas e atores, nas quais o uso da Inteligência Artificial é um dos temas centrais. O roteiro se sai bem ao criar alegorias com o mundo real. Especialmente com a Guerra do Vietnã, a hostilização de minorias e de povos com culturas diferentes.

Há ainda, o drama pessoal que guia o protagonista Joshua, tem sua própria jornada de descoberta, que vai nos fazer observar todas essas discussões. John David Washington carrega bem este personagem sofrido, mas forte e determinado, e constrói uma química interessante com a pequena Madeleine Yuna Voyles, que faz a IA mirim. Gemma Chan e Ken Watanabe também atendem bem ao que seus pequenos papéis exigem. É Allison Janney quem sai em desvantagem, já que o roteiro não constrói seu papel de antagonista para além de uma caricatura militar que segue ordens cegas, por uma causa que não compreende totalmente.

A construção de mundo e os efeitos visuais certamente são o ponto alto da produção. Com um CGI eficiente, e fotografia bem pensada, o filme consegue facilmente nos fazer acreditar que essas tecnologias existem nesse mundo. Mesmo que seus designs sem sempre sejam os mais realistas. Não faltam robôs e veículos aerodinamicamente pouco funcionais, mas combinam com esse mundo altamente tecnológico, mas amplamente devastado por uma longa guerra.

Há também peças com design mais sofisticado, o que ressalta o avanço da tecnologia nesse mundo, enfatizando sua história. É como vemos carros antigos e novos circulando pela mesma estrada, e compreendermos que os veículos fazem parte de nossa história tempo suficiente para mudanças tão grandes. Todo esse detalhismo, confere à produção uma identidade própria inesperada e muito bem vinda. Afinal, após beber de tantas fontes, o risco de se exceder nas homenagens e alusões era grande.

Também era grande a tentação de se criar uma franquia, diante de uma produção visualmente tão grandiosa, e com muita ação. Entretanto, Gareth Edwards resiste a tentação e oferece um desfecho definitivo para esta história em particular. Não seria impossível continuar contando histórias nesse mundo, mas não é uma obrigatoriedade, uma vez que este arco fora devidamente encerrado. 

Com um divulgação bastante frágil, em meio a greve de roteiristas e atores, e por ser um projeto da Fox, pré compra pela Disney, Resistência não tem recebido a atenção que merece. Um projeto visualmente grandioso, com boas ideias, ainda que pouco exploradas, que oferece bom entretenimento. Poderia ser muito mais, mas por hora é uma jornada satisfatória.

Resistência (The Creator)
2023 - EUA - 133min
Ficção Científica, Drama, Ação

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