Good Omens

É o bom e velho Apocalipse que movimenta a trama de Good Omens, mas não se deixe enganar pelo argumento aparentemente batido. A aventura criada por Neil Gaiman e Terry Pratchett é tudo, menos previsível. E sua versão para as telas consegue replicar os efeitos do livro para esta nova mídia.

Aziraphale (Michael Sheen) e Crowley (David Tennant) estão na terra desde a criação. Um anjo e um demônio respectivamente, eles são os agentes do céu e do inferno entre os homens, e com o tempo tomaram gosto pelos prazeres da vida terrena. Logo, quando o nascimento do anticristo anuncia a chegada do apocalipse, a dupla se empenha para evitar o fim do mundo.

Não, não há absolutamente nada de altruísta na missão que a dupla assume, mesmo que um deles seja um anjo. Essa inversão de valores faz parte do tradicional humor britânico, predominante na minissérie. Assim como o sarcasmo, o humor de acaso e o nonsense. A graça da aleatoriedade construindo um grande evento, colocando cidadãos comuns no caminho do destino da humanidade, lembra o humor de Douglas Adams, em o Guia do Mochileiro das galáxias. Mas aqui, a busca de sentido na vida está atrelada à dogmas religiosos, lendas e um empasse entre grandes inimigos.

É na subversão da solenidade de ícones, temas religiosos e suas motivações, e na falta de receio de abraçar a loucura que se baseia a imprevisibilidade da narrativa. Entretanto, é na química entre os protagonistas, que reside o charme e empatia da produção. Os mais humanos entre os seus, o anjo e o demônio apreciam as criações dos homens, como boa comida, carros, livros e música, e estão muito confortáveis em suas respectivas rotinas. E, mais importante, cultivaram ao longo dos seis mil anos que a Terra tem nesta história, uma improvável, e proibida, amizade.

Bromance bem construído através das semelhanças e diferenças entre os dois, e na capacidade que tem de aprender e cooperar, e respeitar as diferenças um do outro. Acompanhar o desenvolvimento desta relação em momentos chave da história da humanidade, é inclusive uma diversão à parte. É claro, para funcionar tão bem nas telas quanto nos livros, a química entre intérpretes precisa ser tão eficientes quanto a dos personagens. Michael Sheen e David Tennant alcançam esta dinâmica com facilidade, além caprichar na construção individual de cada personagem.

Extremamente versátil Sheen, apresenta um Aziraphale extremamente contido e comprometido com seu papel de "bom anjo", mas com uma pitada de rebeldia visivelmente escondida na superfície. Ele só precisa de um estímulo do lado sombrio para ousar e arriscar. Enquanto o Crowley do sempre carismático Tennant é enérgico, descolado e despreocupado com tudo, mas que com a companhia certa deixa transparecer momentos de bondade.

Esta separação entre bem e mal, e as regras que cada lado impõe à seus "funcionários" também é um tema à se discutir. Já que a certa altura fica claro, que talvez anjos e demônios sejam exatamente iguais. Criaturas subservientes, obcecadas por dogmas e por um grande plano que desconhecem, cuja única diferença fora ter andado um um determinado grupo ou outro. Situação que Crowley chega a murmurar em certo momento: eu não pretendia cair, só estava andando com o pessoal errado!.

Entre os entidades e anjos, caídos ou não, Jon Hamm (Gabriel) é o nome mais reconhecido por aqui, em elenco é repleto de conhecidos e talentosos rostos britânicos. Um prato cheio para quem acompanha a dramaturgia desta região do mundo. Outros rostos conhecidos são Mireille Enos (Guerra), Brian Cox (Morte), Frances McDormand (Deus) e Benedict Cumberbatch (Satã). O núcleo humano, tem os eficientes Sam Taylor Buck (anticristo Adam Young), Jack Whitehall (Newton Pulsifer) e Adria Arjona (Anathema). A surpresa fica com a participação de Miranda Richardson (Madame Tracy). Em particpações grandes ou pequenas, todo o elenco parece escolhido a dedo, e por isso entregam o que os personagens pedem.


Completando o pacote, a produção se esforça para equilibrar realismo e absurdo, através dos cenários e figurinos, em diferentes épocas da história do mundo. A maquiagem de anjos e demônios é eficiente para torná-los não-humanos apesar de seus intérpretes. O CGI não é dos mais sofisticados, mas funciona neste contexto de realismo absurdo.

Com o próprio Neil Gaiman como showrunner (trabalho que ele aceitou à pedido do amigo e co-criador já falecido Terry Pratchett e do qual afirma já ter se aposentado), a adaptação acerta na fidelidade Good Omens. E quando precisa de atualizações e material extra, tem o privilégio de contar com o trabalho de um dos criadores. O resultado é uma obra que não apenas respeita o material original, mas mantém sua essência de forma acertada.

Há ainda tempo para atualizações e referências, especialmente à cultura britânica, claro. Assim, na época do apocalipse, Peste se aposentou e deu lugar à Poluição, um mal muito mais impactante nos dias de hoje. E o transito ruim pode ser obra de demônios. Enquanto os whovians vão se deliciar com inúmeras referencias de Doctor Who (além da presença do 10 em cena) e amantes da cultura pop em geral também vão encontrar easter-eggs divertidos.

Good Omens é ousada, absurda e divertida. Faz graça com tanto com temas cotidianos, quanto com histórias, lendas e ícones que atravessam gerações, de forma própria e inteligente. Embora não tenha personagens "sobrando", são seus bem construídos protagonistas que dão o tom, e carisma à esta aventura nada comum. A vontade é continuar acompanhando as aventuras de Aziraphale e Crowley por toda a eternidade!

Good Omens é uma minissérie de apenas seis episódios, disponíveis na Amazon Prime Vídeo.

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