Nós

Após um grande sucesso, especialmente se for em uma obra de estreia, um criador pode cair na armadilha criada pela por seu próprio trabalho. Ele precisa superar sua produção anterior, atender as expectativas, surpreender e de preferencia não demorar muito para fazer tudo isso. Jordan Peele não pôde escapar desta situação após entregar o excelente Corra!. Seu segundo trabalho como diretor Nós, chega envolto tanto em expectativas, quanto em promessas.

O casal Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke), decidem passar um fim de semana em sua casa de veraneio com os filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex). A diversão familiar é interrompida, quando um grupo de "sósias" da família invade a casa.

O uso de duplos em produções de terror ou ficção cientifica não são uma novidade. Geralmente fazem alusão ao fato de que podemos ser nossos maiores inimigos. Peele, não apenas utiliza bem esta alegoria, como também à expande para além do individuo, fazendo uma crítica à sociedade, especificamente a "estadunidense". E a partir daí coloca os personagens em situações de horror, dignas de pesadelos.

Assim como em seu primeiro trabalho, o diretor que também assina o roteiro e tem uma vasta carreira com comédia, consegue trabalhar bem o humor em meio às situações de perigo. Estes são de longe os melhores momentos da produção, em especial quando focados na figura paterna. Winston acerta em cheio ao brincar com a figura do patriarca protetor, salvador da família, que é trapalhado demais para fazer as coisas exatamente como pretende, ou como esperaríamos de seu personagem. E isso é ótimo.

O elenco mirim-entrega o que lhes é pedido no roteiro, e não é pouco considerando que cada um faz dois personagens opostos. Enquanto Elisabeth Moss (The Handmaid's Tale), em poucos minutos de tela, apenas comprova sua versatilidade. Mas o foco no elenco, está em Nyong'o, que tem os maiores extremos ao interpretar a matriarca protetora e a invasora. Se a atuação ficou na medida correta, ou passou um pouco do ponto, depende da referência de quem assiste. Particularmente, acho que houve excessos em alguns momentos, mas a entrega da atriz é inquestionável.

De volta à direção, a técnica apresentada é impecável. A produção sempre escolhe posicionamento e movimentação de câmera, e a até iluminação, que melhor atenda ao que a cena pretende passar para o expectador. Como na sequencia de chegada dos intrusos, passada na penumbra nos faz duvidar da existência dos doppelgängers junto com a incrédula família, mesmo que sua existência já tenha sido revelada ainda nos trailers. Os símbolos e recursos visuais, que se repetem ou são reutilizados mais tarde no longa também são dispostos de forma orgânica ao longo da projeção, e funcionam bem.

É no roteiro que Nós deixa a desejar. Com um argumento excelente em mãos, Peele não parece ter tido tempo de refinar o roteiro e aparar as pontas soltas. A desnecessária reviravolta, que parece incluída mais por obrigação do que pela necessidade da história, aumentam os furos de roteiro, e de construção deste universo e mitologia. Bastam alguns instantes de reflexão, para se dar conta de falhas e inconsistências na história de Adelaide e companhia. Percepção facilmente alcançada ainda na projeção, e possivelmente eliminado a suspensão de descrença do expectador em muitos momentos. As boas ideias estão ali, técnica, elenco e orçamento também estavam disponíveis. Talvez tenha faltado o tempo para amadurecer a ideia e entregar uma história tão bem amarrada quanto a de Corra!

Jordan Peele teve uma estreia excelente, mas precisa tomar cuidado para não cair na mesma armadilha que M. Night Shyamalan. E acabar se perdendo na obrigação de surpreender e se superar, em um curto período de tempo. O que no caso dele ainda conta com o agravante de incluir uma contundente crítica à sociedade. Nós  chega sob muita expectativas e com muitas responsabilidades. Condições nada justas com qualquer obra, ou realizador. Poderia ser uma produção tão surpreendente e eficiente quanto o trabalho anterior de Jordan Peele, mas escorrega na necessidade de ser muitas coisas. E no pouco tempo para trabalhar a coesão deste mundo.

Nós (Us)
2019 - EUA - 116min
Terror, Suspense


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