Noé

A história básica é bastante conhecida. Deus se cansa da maldade dos humanos e decide dar um reboot no mundo. Entretanto, como só os humanos parecem ter problema resolve antes, salvar todo o resto, incumbindo Noé de construir uma enorme arca para abrigar um casal de cada animal, durante um dilúvio que deve lavar a terra da maldade do homem. Some-se aí anos de traduções e re-interpretações da história, que não a questionam e até certo ponto compreendem completamente.

O resultado é a imagem pouco crível, porém totalmente aceita, de um Noé como um ancião barbudo de toga, sandálias que Darren Aronofsky (Cisne Negro) pretende atualizar. A começar por escalar o "gladiador" Russel Crowe, para o papel título. Além de jovem (em nenhum momento no filme é mencionado que Noé tenha 600 anos), Noé é um herói falho e complexo. Considerado digno pelo criador, segue cegamente às suas ordens e sofre com as consequências, de atos que não são seus.

Consequências essas apontadas pelo antagonista Tubal-Cain (Ray Winstone) criado para dar substância a um filme de duas horas. Rei desta humanidade decaída vai lutar pela salvação na arca. Afinal, quando varrer a humanidade o dilúvio também varrerá, inocentes, crianças, bebês, idosos. Cego de obediência Noé nunca questiona este genocídio. Dilema que fica a cargo de sua família, impotente diante do comportamento irredutível do patriarca.

Longe de ser um épico para um público religioso específico, o filme faz uso de várias licenças poéticas para dar conteúdo e extensão a trama. Noé leva apenas cerca 10 anos (não 120) para construir a arca, para isso Aronofsky dos Guardiões, gigantes que ajudam a família de Noé, em busca do perdão do criador. E por falar em sua família, está também tem diferenças em relação às escrituras. Além dos três filhos, Noé tem uma filha adotiva, Ila (Emma 'Hermione' Watson) que traz outro grande dilema para a trama.

Entretanto talvez a mais curiosa licença poética seja a passagem em que Noé conta para a família sobre a criação do mundo. O discurso une de forma competente evolucionismo e criacionismo. Logo, não é surpresa que de determinado ponto de vista, seja o Criador, o verdadeiro antagonista da trama. Digo "ponto de vista", pois nosso imaginário coletivo e conhecimento prévio da história, por vezes elimina nossa capacidade de questionar, suas razões e métodos. (sério, que uma entidade tão poderosa não encontraria outra solução para o problema?).

Ficam com pouco destaque, os animais. Criados por computador, apenas "batem ponto", na trama que pertence aos humanos. A estrela no entanto, a Arca, impressiona pela proporção. Construída como um enorme cenário real, com aparência rústica e rígida (é um caixote escuro, muito diferente do estilo "barco navegável" de nosso imaginário), é ela que dá enfase ao tamanho da tarefa a ser cumprida.

Jennifer Connelly (a esposa de Noé), Anthony Hopkins (o misterioso e sábio avô Matusalen), Logan 'Percy Jackson' Lerman (o ambicioso filho Cam) completam o elenco desta releitura da história do dilúvio. Com proporções de um épico, bíblico ou não, Noé traz temas, criacionistas, evolutivos e até questões ambientalistas, em uma trama apresentada com um olhar quase imparcial. Permite dúvidas, reinterpretações e questionamentos, como qualquer boa aventura, ou fantasia. Isto é, se o expectador estiver disposto a fazê-lo!

Noé (Noah)
EUA - 2014 - 138 minutos
Épico

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